quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Resolução da UJS sobre a questão das drogas no Brasil

  Leia abaixo a íntegra da resolução aprovada pela União da Juventude Socialista (UJS) em plenária nacional realizada neste domingo (13) em Serra Negra (SP). O texto é resultado do 1º Seminário sobre drogas promovido pela organização na última sexta-feira (11).


 "O Congresso Nacional da UJS, apontou a necessidade da realização de um Seminário Nacional que debatesse a questão das drogas e sua relação com nossa juventude. Essa é um discussão que tem se intensificado em nosso país, esse é um tema muito complexo e não tem fácil resolução.

  O tema “Drogas” sempre que surge, produz uma grande polarização, porque em geral é feito com base em questões individuais, valores, religião, ética, moral etc. Consideramos que este é um debate profundamente coletivo, que não pode ser feito do ponto de vista individual, e sim entendendo, suas repercussões econômicas, sociais e culturais.

  As drogas (no seu sentido mais amplo: álcool, nicotina, cocaína, morfina, cafeína, etc.) são usadas pelos homens historicamente, seja para fins medicinais, religiosos, ou como forma de alterar sua consciência, em busca de conforto e prazer. 

  Muitas das drogas hoje proibidas, já foram legalmente permitidas e consumidas livremente. Porque será, então, que determinadas drogas são legais e outras são proibidas? Qual a verdadeira função social, que a proibição de determinadas drogas tem?

  Nós da União da Juventude Socialista, defendemos a construção de um novo mundo, de um homem novo. Defendemos a possibilidade da vida plena para a juventude, de uma vida saudável e de paz, por isso precisamos reafirmar que as drogas ilícitas e lícitas causam males, mesmo que diferenciados, à saúde humana, como a dependência química, e no limite, podem ser capazes de levar a morte.

  Somos, portanto, contra a apologia ao uso das drogas lícitas e ilícitas que trazem danos físicos e psíquicos aos seus usuários.

  Acreditamos no entanto, que a legislação proibitiva vigente não tem dado conta de resolver este problema de saúde pública. Hoje, o que acontece com o usuário das drogas ilegais é que ao invés de ter do Estado à ajuda necessária para um tratamento, com educadores, psicólogos e assistentes sociais, recebem repressão. O que o mantém na eterna posição de um lucrativo consumidor.

  A questão é que a proibição das drogas e sua comercialização é um dos negócios mais lucrativos do planeta. Existe toda uma cadeia produtiva que abastece este comércio ilegal e que tem seus grandes chefes longe dos morros, das favelas e da periferia. Hoje, o comércio das drogas ilegais gera lucro para alguns e violência para a grande maioria. É a juventude pobre a mais suscetível a cooptação para estas atividades.

  Por isso mesmo, um dos efeitos mais perverso da proibição do uso de drogas, é a criminalização da pobreza. A ilegalidade das drogas personifica no "traficante" o mal, e faz com que meninos e meninas carentes, mais suscetíveis ao poder econômico e moral que este comércio traz, encham as cadeias brasileiras.

  A verdade é que a legislação vigente não atinge a nenhum de seus pretendidos efeitos, pelo contrário, os problemas dos toxicodependentes tem se agravado e as taxas de criminalidade se elevado. A ilegalidade não acaba com o comércio, só o torna mais lucrativo. Sua proibição serve apenas como controle social de determinados grupos (jovens, pobres e negros), considerados pelo sistema potencialmente perigosos. 

  Necessitamos avançar nas legislações, combatendo a criminalização da pobreza e impedindo que os usuários que necessitam de tratamento de saúde recebam violência e repressão.

  Não podemos fechar os olhos ao problema do crack, que atinge em cheio a juventude. Estamos avançando e acumulando sobre o tema. A realização deste 1º Seminário Nacional, é um passo para conseguirmos formular com muita responsabilidade nossa proposta. 

* Promover mais debates sobre o tema
* Incentivar as Direções Estaduais a realizar debates e seminaries
* Participar ativamente da 13ª Semana Nacional Sobre Drogas
* Pautar a realização de uma Conferência Nacional sobre o tema"
Serra Negra, 13 de fevereiro de 2011

Fonte: www.ujs.org.br

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

UJS aprova resolução sobre questão das drogas no Brasil

  Um delegado que defende menos prisões no país, um cineasta que descobriu sua opinião sobre o tema no desenrolar da produção do documentário e uma deputada federal filiada à União da Juventude Socialista (UJS). Esta foi a composição da mesa de debate do seminário sobre a questão das drogas promovido pela UJS na última sexta-feira (11) em Serra Negra (SP). 

Monique Lemos (E), Coordenadora do Seminário e presidente da
UJS-RJ, Rodrigo Mac Niven, Manuela D'Ávila e Orlando Zaccone
  A ausência de um debatedor que apresentasse uma opinião de contraponto não prejudicou a qualidade do debate realizado no seminário sobre drogas organizado pela UJS durante o seu Curso Nacional de Formação Política, que ocorreu de 4 a 13 de fevereiro, incluindo o seminário e uma plenária nacional da organização, onde foi aprovada resolução sobre a questão das drogas. O fato de não haver um contraponto foi, entretanto, levantado em praticamente todas as falas, que argumentaram que isso enriqueceria a discussão.


Cortina de Fumaça

  As atividades do seminário se iniciaram com a apresentação do documentário “Cortina de Fumaça”, que é uma coletânea de depoimentos de neurocientistas, psicólogos, psiquiatras, médicos, policiais, ex-policiais, juristas, sociólogos, antropólogos ou seja, especialistas das mais diversas áreas e de variadas nacionalidades que apresentam as contradições, os mitos e o moralismo presentes no debate acerca da questão das drogas.

  Após a exibição do longa com 1h30 de duração, o debate se iniciou com a fala do seu diretor, Rodrigo Mac Niven. O cineasta disse que não tinha posição definida acerca da legalização ou não das drogas antes dos dois anos gastos na produção do filme. Disse ainda que procurou fazer um material capaz “trazer a informação que normalmente as pessoas não têm, pois o outro lado a gente escuta e lê nos veículos de massa”. A intenção, declarou Mac Niven, é “elevar o nível do debate”. Para ele, legalizar o uso de drogas significa regulamentar e não liberar. 

Guerra contra as drogas

  Em seguida, foi a vez da deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB/RS) dar a sua opinião. Ela defendeu que a luta é para que o mundo, sobretudo a Organização das Nações Unidas (ONU) mude a forma de debater o tema das drogas, visto que até hoje vigora a política do ex-presidente dos Estados Unidos Ronald Regan, que inaugurou a “guerra contra as drogas” e a sua utilização para intervenção nas nações, sobretudo latino-americanas. Para a deputada, a forma de debater o tema das drogas “tem uma relação muito profunda com questão de opressão militar das nações latinas”. 

  A deputada denunciou ainda a lógica da polícia brasileira, que “pega o pequeno. São os 30 mil jovens que estão na ponta que morrem, e não os grandes traficantes. Trata-se de um tipo de polícia que oprime a nossa juventude”. A dimensão deste debate, argumentou Manu, é a da economia internacional. O ataque, a repressão ao tráfico, entretanto, é no varejo.

  Ela contrapôs algumas visões em favor da legalização das drogas que acreditam que não é preciso regulamentação do Estado para a questão. “É uma visão liberal”. Manuela criticou ainda o tom moral que hegemoniza o debate sobre drogas no Brasil.

  Por fim, Manu falou sobre a Holanda, país que possui mais flexibilidade na lei sobre drogas no mundo, dizendo que há uma regulação sobre a quantidade de cada substância contida nos produtos comercializados. Comparou com a realidade do Brasil, onde o usuário não tem como saber o que é colocado no produto que é consumido. “O problema é que ao proibir as drogas, proibimos de saber o que as pessoas consomem e o mau que causa cada substância”. 

Criminalização da pobreza

  O último da mesa a falar foi o delegado da polícia civil e mestre em Ciências Penais Orlando Zaccone, que é membro da ONG Law Enforcement Against Prohibition (Leap). Ele contou que foi por muitos anos delegado da Polícia Civil em Jacarepaguá e que depois foi transferido para a delegacia da Barra da Tijuca: “foi quando eu percebi que a prisão, o encarceramento por crime relacionado a drogas, é feito de forma desigual”. 

  Zaccone disse que na Barra da Tijuca fez apenas três flagrantes de tráfico em 2010 e que todas as delegacias da zona sul somaram 67 flagrantes, que dão o número de uma única delegacia em outra região, a de São Cristóvão. Em seguida, provocou: “você acha que na Tijuca não tem tráfico?”, ao que respondeu que sim, mas que nos bairros de classe média o tráfico é feito em espaços privados – dentro de condomínios, casas de show, etc. – enquanto na periferia ele é feito no espaço público, e por isso gera mais prisões. “O patrimônio, a dignidade são distribuídos de forma desigual. O tráfico também”, completou. Ele deu, ainda, o exemplo do filme “Meu nome não é Jhonny”, em que um traficante de classe média é tratado como usuário pela Justiça. 

  O delegado defendeu a proposta do ex-Secretário Nacional de Políticas Sobre Drogas Pedro Abramovay, de estabelecer penas alternativas a pequenos traficantes, ao invés de encarcerá-los. Aproveitou o ensejo para protestar contra a demissão de Abramovay pelo fato de ter defendido tal proposta publicamente.

  Zaccone concordou com Manu sobre o motivo da legislação brasileira sobre drogas ser proibitiva: “assumimos [a política proibitiva] por alinhamento do Estado brasileiro a interesses internacionais dos Estados Unidos. Existem no mundo outras políticas de drogas que não estão sendo apresentadas para a gente”, e citou uma frase de Eduardo Galeano para combater a moralidade frequentemente dominante no debate sobre a questão das drogas: “na luta do bem contra o mau, é o povo que entra com os cadáveres”.

Debate intenso

  O debate que se seguiu demonstrou a variedade de posições presentes no conjunto da militância da UJS acerca desta controversa questão. Foram pautadas questões de violência relacionada ao uso das drogas, questões de saúde individual e coletiva, razões históricas para o uso e a proibição de determinadas substâncias e também a contextualização do uso de drogas no sistema capitalista, onde esta serve à alienação, segundo opiniões apresentadas. Apresentou-se também, durante as intervenções, um temor que a legalização se reduza, no final das contas, à liberação do uso e comercialização legal, mas que os efeitos do uso continuarão sendo sentidos, sobretudo nas periferias.

André Tokarski, presidente da UJS
  Diante do debate, o presidente da UJS, André Tokarski, defendeu que a resolução da entidade não deveria se reduzir só à questão de legalizar ou não, levando em conta que é um debate muito presente na realidade do país. Para ele, o central é que a UJS funciona com consenso progressivo, método que favorece o debate, que – ao menos acerca da questão das drogas – foi iniciado com bastante qualidade neste seminário: “é necessário coesionar a nossa organização e apontar um projeto de ruptura estrutural”, argumentou o presidente da UJS, que defendeu uma resolução focada em políticas de saúde pública, como políticas de redução de danos.

Resolução

  A resolução da UJS sobre a questão das drogas foi aprovada no domingo (15), último dia da plenária nacional realizada pela organização com dirigentes de todo o país. Embora não chegue a uma conclusão sobre a defesa da legalização ou não, o texto demonstra a maturidade do debate conquistada a partir do seminário: “Somos, portanto, contra a apologia ao uso das drogas lícitas e ilícitas que trazem danos físicos e psíquicos aos seus usuários. Acreditamos no entanto, que a legislação proibitiva vigente não tem dado conta de resolver este problema de saúde pública”, diz um trecho da resolução, que também condena a criminalização da pobreza e pauta o tom classista do debate, do início ao fim.

Por Luana Bonone, do Portal Vermelho.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Qual será o destino do Egito?

  "No 18º dia de protestos, o chefe do regime ditatorial do Egito, Hosni Mubarak, declarou a renúncia ao cargo de presidente, após 30 anos de permanência. O anúncio foi feito pelo vice-presidente do Egito, Omar Suleiman, que também apresentou sua renúncia.

Praça Tahrir lotada de manifestantes comemorando a renuncia de Mubarak
  O povo está em festa nas ruas do Cairo e em todo o país. As gigantescas manifestações populares abriram o caminho à democratização do país e mudanças sociais e políticas mais profundas."
(Portal Vermelho 11/02/2011)*

"V" de Vitória e alegria misturada com alívio para comemorar o novo tempo
  Uma comoção tomou o mundo hoje. O povo egípcio conseguiu expurgar do poder o ditador Hosni Mubarak. Uma vitória de gerações. Gerações que sofreram com torturas, assassinatos e desaparecimentos. E que hoje voltam a cena principal lutando por melhores condições de vida e DEMOCRACIA! Todas as gerações numa só. Uma grande conquista para ser lembrada durante décadas. O mundo torceu, se comoveu e agora respira aliviado. Ao todo, mais de 300 pessoas foram mortas e milhares ficaram feridos desde o inicio das manifestações. Mas o sentimento de que tudo valeu a pena reina no coração de cada egípcio, que teve de conviver durante 30 anos com uma história perversa. Corrupção, miséria e repressão (só para citar alguns exemplos). Conseguiram dar a volta por cima e agora todos se angustiam e se perguntam: Qual será o destino do Egito e do seu povo?

Manifestantes em intensas mobilizações
  Vamos e convenhamos, após 18 dias de intensas manifestações, pressões de diversos países e da opinião pública internacional, Mubarak já foi tarde! Já foi tarde mas deixou ao mundo várias dúvidas que não querem calar. A mais importante delas, na opinião deste mero blogueiro, é justamente sobre o futuro deste povo sofrido e batalhador. De fato, a renúncia foi um ato significativo que merece destaque. Mas não soluciona por si só todos os problemas. Nenhuma grande liderança surgiu com força para unificar o pensamento dos manifestantes e da população em prol de um projeto único de nação. Que viesse a dar resposta aos anseios e  as necessidades que ficaram guardadas durante décadas.

  O fato da transição passar pelas mão dos militares, nos deixa com uma pulga atrás da orelha. Se formos pela lógica de que a ditadura no Egito era financiada pelos EUA, que tinham como propósito a manutenção da sua supremacia econômica e militar no Oriente Médio. Vamos concluir que todo o aparato militar sofre influência direta de Washington. Suas armas foram construídas e/ou financiadas pelos norte americanos. Seus oficiais treinados de acordo com as táticas e interesses do pentágono. Será mesmo que o poder central do Egito nas mãos dos militares estão em melhores mãos?

  O imperialismo norte americano se moldou constantemente durante as décadas. Aprendeu com seus erros e encontrou novas formas de dominação! Foram capazes de dar passos para trás para poder dar um pulos mais adiante. Se fazem de cordeiros, mas são na verdade os maiores predadores do planeta. Se infiltram e influenciam em seu favor. Corrompem, assassinam e destroem nações inteiras em nome do "livre mercado" e do seu modelo puritano de "Democracia". São como cachorros famintos que não largam o osso. Proliferam miséria e fome. Morte e destruição.

Grande presença da juventude nos atos de derrubaram Mubarak
  O povo do Egito precisa encontrar as saídas rápidas para seu destino. Precisam elaborar um projeto único de nação que atenda as demandas dos mais necessitados e de todos os excluídos do antigo sistema. A unidade nacional é importante para que não aconteçam mais atentados nem golpes. Uma volta por cima repleta de solidariedade e paz é urgente para os egípcios. O mundo confia e acredita. Mas temos que ficar de olho nos interesses dos EUA que não cessaram nem cessarão após os fatos ocorridos recentemente. O império vai contra atacar! Mas tomará que até lá os egípcios já tenham encontrado as respostas para todas as dúvidas que começam a surgir nesta nova conjuntura. Viva o povo LIVRE do Egito. Viva a solidariedade internacional. Viva o Socialismo!



quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

FSM hoje permite o debate da perspectiva socialista, por Lucia Stumpf

Luta antiimperialista é contra o colonialismo, diáspora negra e combate ao racismo, construção de um novo mundo possível a partir da perspectiva socialista e consolidação do Fórum Social Mundial (FSM) enquanto espaço de articulação dos movimentos e construção de lutas de alcance global. Segundo a secretária de movimentos sociais do PCdoB, Lúcia Stumpf, essas são as pautas sobre as quais o partido leva as suas opiniões ao FSM 2011, que ocorre entre 6 e 11 de fevereiro em Dacar (Senegal).

 

Com DNA anti-neoliberal, o FSM já permite até mesmo um debate aberto sobre a perspectiva O momento que vivem os países, imediatamente após o período mais dramático de uma crise sistêmica do capitalismo, marcará esta edição do Fórum Social Mundial. Ao menos esta é a opinião do PCdoB, expressa pela sua secretária de movimentos sociais, Lúcia Stumpf. A dirigente considera que a quadra pós-auge de uma crise do capitalismo reforça o caráter do FSM de ser um espaço de alternativa a este 

sistema no mundo. socialista, o que não acontecia há dez anos, avalia Lúcia: “o Fórum surgiu em um momento em que era necessário se contrapor ao neoliberalismo, então ele nasceu para se contrapor ao Fórum de Davos e ainda tem essa perspectiva. É um Fórum que se contrapõe ao neoliberalismo, dizendo que o neoliberalismo não é o caminho dos avanços sociais, e hoje tem condições de aprofundar ainda mais esse debate. Hoje o Fórum permite, o que há 10 anos atrás, nas primeiras edições, não permitia, essa perspectiva de apontar uma alternativa de rumo, como a alternativa socialista”. Ao fazer essa análise, Lúcia lembra que o FSM permanece sendo um espaço heterogêneo e com diversas visões, não se trata de um fórum de defesa do socialismo, mas reforça que este debate é feito de forma mais clara e com mais força, após 10 anos de realização do FSM.

De volta à África

Como é a segunda vez que o encontro acontece na África, os debates e ações se voltarão também a questões mais específicas do continente, “como não poderia deixar de ser”, diz Lúcia. O primeiro FSM realizado na África ocorreu no Quênia, em 2007, momento em que temas como Aids, migrações e guerras no continente apareceram com bastante força. Neste ano, dois temas relacionados ao continente africano devem assumir protagonismo: descolonização e diáspora africana.

Lúcia reforçou a importância das atividades de caráter antiimperialista durante o FSM.

A delegação brasileira, que já foi anfitriã diversas vezes do FSM e geralmente tem uma participação expressiva em suas edições, pretende promover um importante debate sobre combate ao racismo a partir da compreensão do que foi a diáspora negra. “Foi da ilha de Goré, no Senegal, que saiu grande parte dos navios negreiros que trouxeram escravos para o Brasil, então a gente tem uma ligação muito forte com o povo do Senegal”, destaca Lúcia. A diáspora africana (ou negra) é o nome que se dá à dispersão dos povos africanos pelo mundo por conta do processo de escravidão implementado por séculos. 

Outro ponto muito forte em relação à luta dos povos africanos é a libertação de uma colonização ainda hoje promovida por países ricos: “o Fórum com certeza vai discutir a questão da descolonização daquele continente, que ainda sofre com governos e com uma influência direta muito grande, principalmente da Europa”, avalia a secretária, agregando que as recentes revoltas ocorridas na Tunísia e no Egito serão um elemento novo neste debate.

Tunísia e Egito

Lúcia Stumpf considera o caráter das revoltas em curso no Oriente Médio muito próximo à concepção de movimento que deu origem ao Fórum: “acho que são revoltas que trazem de volta e que reascendem o objetivo do Fórum, que é a possibilidade de mobilizações populares transformarem a realidade política dos espaços onde acontece; a possibilidade do povo, quando se une, quando se revolta, quando sai às ruas, ter essa perspectiva de alterar a realidade, de construir uma alternativa na busca da democracia, na busca de resultados mais positivos diante de governos muitas vezes ditatoriais, governos tiranos que vêm sendo depostos”.

A secretária valorizou também o fortalecimento das relações sul-sul e acredita que este será também um tema importante, reforçado inclusive pela delegação do governo brasileiro que estará presente ao Fórum. “O governo federal atual estará representado por ao menos quatro ministros, dirigidos pelo ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Além disso, Lula fará a sua primeira aparição como ex-presidente em uma atividade do movimento social durante o Fórum, em um debate que vai discutir a busca de soluções, de saídas para a questão da miséria e da fome no mundo”, conta Lúcia. 

O destaque brasileiro na programação do FSM deverá girar em torno da presença do ex-presidente Lula, que promete fazer no FSM sua estreia em eventos do movimento social fora da presidência. Está prevista a sua participação em uma mesa que debaterá as estratégias da luta contra a miséria e a fome no eixo sul-sul, fortalecendo assim a pauta que deverá ser o centro de atuação também dos ministros do governo Dilma. 

As disputas do Fórum

Além das questões mais convergentes, instigadas pela própria experiência e história do continente africano, o FSM 2011 será palco também de algumas disputas, notadamente uma sobre a visão do momento que vive a luta antiimperialista no mundo e outra sobre a própria concepção do papel do Fórum Social Mundial.

A discussão sobre o momento da luta antiimperialista é marcada pela diferença de visão de grande parte dos movimentos da Europa em contradição com a visão de movimentos da América Latina. Os movimentos populares europeus vivem um momento de resistência a políticas de austeridade impostas pelos governos como resposta à recente crise sistêmica do capitalismo, assim, analisam que o momento da luta antiimperialista e anticapitalista no mundo é de resistência, sem possibilidade de construção de alternativas imediatas. A secretária de movimentos sociais do PCdoB faz questão de lembrar, entretanto, que “é uma Europa descrente, mas que mesmo assim tem feito grandes mobilizações sociais”.

Por outro lado, os movimentos sociais na América Latina participam do processo de construção de alternativas de desenvolvimento diferentes do modelo neoliberal e experimentam a implementação de mudanças importantes a partir da eleição de governos democráticos e progressistas, argumentando, portanto, que embora o momento histórico seja de defensiva, é necessário e está em curso em diversos países a construção de modelos alternativos ao neoliberalismo e ao próprio capitalismo.

Esta diferença de leitura entre Europa e a América Latina, entretanto, não chega a ser um antagonismo. Os movimentos realizarão este debate, mas tendem a se unificar em uma grande campanha mundial antiimperialista, colocando no centro questões como o combate às bases militares estrangeiras dos Estados Unidos e da Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan) espalhadas em diversos países do mundo. Esta foi a campanha proposta e organizada pelo Conselho Mundial da Paz (CMP), presidido pela brasileira Socorro Gomes, que é presidente também do Centro Brasileiro de Luta pela Paz (Cebrapaz) nas atividades descentralizadas do FSM 2010 em que participou. Agendas globais deste caráter devem ser articulados durante a Assembleia Mundial dos Movimentos Sociais, que ocorrerá no dia 10 de fevereiro, penúltimo dia do FSM 2011.

Para Lúcia, em seu 11º ano, o Fórum está mais maduro e permite um debate franco sobre a alternativa socialista para a construção de "um outro mundo possível".
Para que serve o Fórum?
 
A outra disputa de concepções é em relação ao próprio papel do Fórum Social Mundial: se ele deve servir apenas para um debate conceitual sobre as alternativas de desenvolvimento dos países, ou se ele deve ter uma plataforma que consolide jornadas de luta globais unitárias e que impulsione mobilizações locais a partir dos debates realizados durante as edições do Fórum. 

Lúcia explica que as entidades da América Latina sempre vão ao FSM buscando reforçar o papel do Fórum de ter uma plataforma dos movimentos sociais, de ser um espaço “de luta e de ação mais do que de debate, porque não temos dúvidas que é com o povo organizado nas ruas que a gente consegue transformar a realidade”, avalia. Para ela, a América Latina leva ao Fórum a sua alternativa, que é apresentar o papel que os movimentos sociais e o povo organizado têm a cumprir nas transformações institucionais: “é possível, sim, um projeto alternativo passando pelas vias institucionais, um projeto voltado ao povo ainda dentro do capitalismo. Projetos eleitos pelas vias institucionais, mas que têm uma ação diferenciada, uma visão diferenciada de governo, e uma relação diferenciada com o povo, é isso que a América Latina leva para o Fórum”. Lúcia considera ainda que as revoltas recentes que acontecem no mundo vão servir para incentivar esse debate e reforçar essa concepção no FSM 2011: “essas revoltas trazem essa perspectiva da necessidade da luta, do recrudescimento das lutas populares para que as transformações aconteçam”.

O resultado desta concepção de que o Fórum deve ser um espaço de articulação de lutas é concretizado na Assembleia Mundial dos Movimentos Sociais, onde organizações de todo o mundo apresentam propostas de pautas, campanhas e ações unificadas. Lúcia considera este o momento mais importante do Fórum, “porque promove uma certa concretização de uma agenda do Fórum”, diz ela. “A Assembleia Mundial dos Movimentos Sociais, no dia 10 de fevereiro, vai servir para fazer o debate do papel dos movimentos sociais no mundo e para tentar consolidar agendas, tentar se solidarizar com as revoltas em curso, tentar reforçar aquelas revoltas que sejam de fato democráticas, populares, e impulsionar grandes mobilizações globais, que precisam ser feitas para reforçar o nosso projeto, de perspectiva socialista, das transformações vindas pelas mãos do povo organizado, que a gente sempre leva e reforça no Fórum”, completa Lúcia.

Alternativa socialista

Este é o debate que adelegação brasileira do PCdoB pretende levar ao FSM 2011: a alternativa socialista aos problemas estruturais que o Fórum costumeiramente debate: “o PCdoB vai com a perspectiva e com o papel de reforçar o socialismo como alternativa real e concreta, a mais sólida para responder a essas mazelas que são apresentadas no Fórum. Vai também jogar papel importante no reforço das relações sul-sul, apoiando as iniciativas neste sentido, e pautaremos a discussão da luta contra o racismo, luta tão presente entre o povo brasileiro, por conta da questão histórica que a gente carrega, dessa necessidade de discutir de fato a diáspora africana que aconteceu há séculos e que ainda hoje deixa marcas no continente e nos países que receberam negros da África”, afirma Lúcia. 

A dirigente estima a participação de cerca de mil brasileiros no Fórum, dos quais ao menos três dezenas são do PCdoB, mobilizados pelo movimento social e por delegações do partido. Estão sendo esperadas cerca de 60 mil pessoas no total. Entre os movimentos, destacam-se o comunitário, o negro, o sindical, o de mulheres e o de juventude. Uma representação do Comitê Central do partido, integrada, entre outros, pela própria Lúcia, coordenará os trabalhos. 

Em síntese, Para Lúcia o Fórum Social no Senegal permitirá “aprofundar e acumular mais nessa luta contra o racismo, na luta pelo fortalecimento do continente africano com soberania, com a descolonização do continente e o fortalecimento do eixo sul-sul, com um diálogo maior entre os continentes ao sul do equador, entre a América Latina e a África, que os países consigam dialogar cada vez mais e criar redes de ação comum, de luta comum e de solidariedade entre os continentes”. 

PCdoB no FSM 2011

Para tanto, o PCdoB prioriza as atividades promovidas pela Fundação Maurício Grabois (FMG) em conjunto com a Fundação Perseu Abramo (FPA) dentro da programação do FSM 2011, que inclui temas como o reforço das relações sul-sul e a valorização da experiência latino-americana de construção de alternativas de desenvolvimento a partir da eleição de governos progressistas. Além disso, a marcha de abertura e a Assembleia Mundial dos Movimentos Sociais serão espaços privilegiados pelos comunistas e por todos os movimentos sociais e forças progressistas brasileiras, assim como as atividades promovidas pelas entidades dos movimentos sociais, sobretudo os latino-americanos e africanos.