O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, elegeu o Chile como principal aliado do império na América do Sul e, ao chegar ao país nesta segunda-feira (21), fez um discurso enganador prometendo uma “aliança igualitária” com a região, historicamente considerada como um mero quintal do império.
Não é difícil compreender as razões da escolha. O Chile, hoje governado pela direita, foi o primeiro laboratório das políticas neoliberais no mundo, inspirando o chamado Consenso de Washington. A experiência, cruel para a população, começou em 1973, após o golpe militar contra Salvador Allende, desfechado pelo general Augusto Pinochet com o apoio descarado da sinistra central de inteligência estadunidense (CIA). O ditador aplicou ao pé da letra a receita neoliberal ditada pelo economista conservador Milton Friedman e discípulos conhecidos como “Chicago Boys”. Abriu a economia, privatizou, arrochou salários, suprimiu direitos. Temperou tais medidas com uma brutal repressão, tortura e assassinatos, sufocando toda e qualquer oposição.
Sem desculpas
Obama gosta de se apresentar como defensor da democracia. Em nome da coerência, era de se esperar que ele apresentasse ao povo chileno um pedido formal de desculpas pelo golpe de setembro de 1973, que afinal não teria vingado sem a participação da CIA. Mas, obviamente, o chefe de plantão do império não fez nada disto. Os reais interesses em jogo neste seu giro pela América Latina são de outra natureza.
A situação atual guarda pouca semelhança com a época em que a região foi sacudida por golpes militares, todos eles inspirados no anticomunismo e apoiados pelos EUA. O Brasil, em 1964, não foi exceção. O império era, então, todo-poderoso e, com a exceção de Cuba, reinava absoluto e sem contestação pelo continente americano. Todos, ou quase todos, dependiam dos favores financeiros de Washington.
Decadência
O tempo passou e o cenário mudou, como que da água para o vinho. Os Estados Unidos vivem, agora, um período de franca decadência econômica e política. Muitos países latino-americanos saem da órbita imperial, ganham certa independência e buscam caminhos alternativos de desenvolvimento nacional, longe do desastrado Consenso de Washington, que definitivamente não deu certo.
A submissão da região às ordens emanadas da Casa Branca começa a ser quebrada com a vitória de Hugo Chávez nas eleições presidenciais de 1998 na Venezuela. A ascensão de Lula (2002) e outros líderes populares que cresceram na luta contra o neoliberalismo, como Evo Morales na Bolívia, Kirchner na Argentina e Rafael Correia no Equador, reforçaram este movimento e resultaram no sepultamento da Alca em 2005.
O fortalecimento do Mercosul e a criação da Unasul refletiram a nova realidade política e um distanciamento crescente das Américas do Sul e Latina em relação ao império, que acusa o golpe. Tenta reverter a situação patrocinando conspirações e golpes na Venezuela (2002), Bolívia (2008), Honduras (2009) e Equador (2010). Só obtém sucesso em Honduras, onde o ex-presidente Manuel Zelaya foi sequestrado e desterrado.
Ascensão da China
A mudança no cenário político foi precedida e respaldada pela decadência econômica do império. Isto transparece claramente nas relações comerciais com o Brasil, que possui a maior economia da região. Durante décadas o mercado estadunidense foi o principal destino das exportações brasileiras, mas isto mudou. Quem detém esta posição hoje é a China. Os EUA recuaram para o terceiro lugar, atrás da Argentina.
Dos US$ 201,91 bilhões que o Brasil exportou em 2010, US$ 30,78 bilhões foram relativos a vendas para China; os EUA compraram apenas US$ 19,30 bilhões. Nos anos 1990, a superpotência capitalista respondia por 20,35% de tudo o que o Brasil vendia para fora; dez anos depois, essa proporção caiu para 16%.
Já a relevância da China não se restringe ao comércio. Avança para a exportação de capitais. Somente em 2010, através de vinte operações de aquisição e participação acionária nos setores de petróleo, energia, siderurgia, telecomunicações e automóveis, os investimentos chineses diretos na América Latina, sobretudo na Argentina, Brasil, Peru, Chile e México, superaram US$ 30 bilhões, mais do que todo o valor acumulado até então.
Hostilidade
A mudança em curso na região está em harmonia com o deslocamento do poder econômico das velhas potências capitalistas (EUA, Japão e Europa) para a China e outros países emergentes. O giro de Obama se faz à sombra da crescente influência chinesa e tem o objetivo de recompor a hegemonia imperial. O pano de fundo é a decadência econômica e política.
Os EUA não estão nada satisfeitos com os rumos rebeldes da América Latina. Derrotados no projeto da Alca, conspiram contra a ampliação do Mercosul, que consideram um bloco “antiamericano”, e intensificam os esforços para desestabilizar os governos progressistas da região, especialmente aqueles que compõem a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba), bem como semear discórdia e dividir povos e nações.
O chefe do império afirmou em Santiago (capital chilena) que a América Latina “é mais importante do que nunca” para a prosperidade e segurança dos EUA e fez questão de criticar “alguns líderes” da região que supostamente se aferram a “ideologias falidas”. Uma referência aos críticos mais radicais e consequentes do imperialismo, como Hugo Chávez, Evo Morales e Raúl Castro. Reiterou o aceno a uma “aliança igualitária” e também não se esqueceu de criticar Cuba e enviar uma mensagem de apoio à contrarrevolução da Ilha.
A bem da verdade, é preciso destacar que ideologia falida é aquela difundida pelo império, que fez água não só na América Latina mas em todo o mundo e resultou numa das mais graves crises econômicas da história do capitalismo. Lembremos que quem está em ascensão no mundo é a China, que obviamente não se guia pela ideologia dominante no decadente Ocidente.
Interesses antagônicos
A mídia capitalista não poupou elogios ao presidente estadunidense e repercutiu suas demagogias de forma acrítica e colonizada. Mas o chefe do império que acaba de desatar uma nova guerra no Oriente Médio, a pretexto de defender a democracia e os direitos humanos, também foi alvo de protestos dos movimentos sociais, aqui e no Chile.
Os interesses do imperialismo não condizem com os dos povos e nações latino-americanos. Embora apresentada, enganadoramente, como um novo e promissor capítulo nas relações entre EUA e América Latina, a visita de Barack Obama encobre propósitos neocoloniais obscuros e reacionários, que devem ser rechaçados com energia pelas forças e personalidades que defendem a soberania, a democracia, o desenvolvimento e a integração.