Um delegado que defende menos prisões no país, um cineasta que descobriu sua opinião sobre o tema no desenrolar da produção do documentário e uma deputada federal filiada à União da Juventude Socialista (UJS). Esta foi a composição da mesa de debate do seminário sobre a questão das drogas promovido pela UJS na última sexta-feira (11) em Serra Negra (SP).
Monique Lemos (E), Coordenadora do Seminário e presidente da UJS-RJ, Rodrigo Mac Niven, Manuela D'Ávila e Orlando Zaccone |
A ausência de um debatedor que apresentasse uma opinião de contraponto não prejudicou a qualidade do debate realizado no seminário sobre drogas organizado pela UJS durante o seu Curso Nacional de Formação Política, que ocorreu de 4 a 13 de fevereiro, incluindo o seminário e uma plenária nacional da organização, onde foi aprovada resolução sobre a questão das drogas. O fato de não haver um contraponto foi, entretanto, levantado em praticamente todas as falas, que argumentaram que isso enriqueceria a discussão.
Cortina de Fumaça
As atividades do seminário se iniciaram com a apresentação do documentário “Cortina de Fumaça”, que é uma coletânea de depoimentos de neurocientistas, psicólogos, psiquiatras, médicos, policiais, ex-policiais, juristas, sociólogos, antropólogos ou seja, especialistas das mais diversas áreas e de variadas nacionalidades que apresentam as contradições, os mitos e o moralismo presentes no debate acerca da questão das drogas.
Após a exibição do longa com 1h30 de duração, o debate se iniciou com a fala do seu diretor, Rodrigo Mac Niven. O cineasta disse que não tinha posição definida acerca da legalização ou não das drogas antes dos dois anos gastos na produção do filme. Disse ainda que procurou fazer um material capaz “trazer a informação que normalmente as pessoas não têm, pois o outro lado a gente escuta e lê nos veículos de massa”. A intenção, declarou Mac Niven, é “elevar o nível do debate”. Para ele, legalizar o uso de drogas significa regulamentar e não liberar.
Guerra contra as drogas
Em seguida, foi a vez da deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB/RS) dar a sua opinião. Ela defendeu que a luta é para que o mundo, sobretudo a Organização das Nações Unidas (ONU) mude a forma de debater o tema das drogas, visto que até hoje vigora a política do ex-presidente dos Estados Unidos Ronald Regan, que inaugurou a “guerra contra as drogas” e a sua utilização para intervenção nas nações, sobretudo latino-americanas. Para a deputada, a forma de debater o tema das drogas “tem uma relação muito profunda com questão de opressão militar das nações latinas”.
A deputada denunciou ainda a lógica da polícia brasileira, que “pega o pequeno. São os 30 mil jovens que estão na ponta que morrem, e não os grandes traficantes. Trata-se de um tipo de polícia que oprime a nossa juventude”. A dimensão deste debate, argumentou Manu, é a da economia internacional. O ataque, a repressão ao tráfico, entretanto, é no varejo.
Ela contrapôs algumas visões em favor da legalização das drogas que acreditam que não é preciso regulamentação do Estado para a questão. “É uma visão liberal”. Manuela criticou ainda o tom moral que hegemoniza o debate sobre drogas no Brasil.
Por fim, Manu falou sobre a Holanda, país que possui mais flexibilidade na lei sobre drogas no mundo, dizendo que há uma regulação sobre a quantidade de cada substância contida nos produtos comercializados. Comparou com a realidade do Brasil, onde o usuário não tem como saber o que é colocado no produto que é consumido. “O problema é que ao proibir as drogas, proibimos de saber o que as pessoas consomem e o mau que causa cada substância”.
Criminalização da pobreza
O último da mesa a falar foi o delegado da polícia civil e mestre em Ciências Penais Orlando Zaccone, que é membro da ONG Law Enforcement Against Prohibition (Leap). Ele contou que foi por muitos anos delegado da Polícia Civil em Jacarepaguá e que depois foi transferido para a delegacia da Barra da Tijuca: “foi quando eu percebi que a prisão, o encarceramento por crime relacionado a drogas, é feito de forma desigual”.
Zaccone disse que na Barra da Tijuca fez apenas três flagrantes de tráfico em 2010 e que todas as delegacias da zona sul somaram 67 flagrantes, que dão o número de uma única delegacia em outra região, a de São Cristóvão. Em seguida, provocou: “você acha que na Tijuca não tem tráfico?”, ao que respondeu que sim, mas que nos bairros de classe média o tráfico é feito em espaços privados – dentro de condomínios, casas de show, etc. – enquanto na periferia ele é feito no espaço público, e por isso gera mais prisões. “O patrimônio, a dignidade são distribuídos de forma desigual. O tráfico também”, completou. Ele deu, ainda, o exemplo do filme “Meu nome não é Jhonny”, em que um traficante de classe média é tratado como usuário pela Justiça.
O delegado defendeu a proposta do ex-Secretário Nacional de Políticas Sobre Drogas Pedro Abramovay, de estabelecer penas alternativas a pequenos traficantes, ao invés de encarcerá-los. Aproveitou o ensejo para protestar contra a demissão de Abramovay pelo fato de ter defendido tal proposta publicamente.
Zaccone concordou com Manu sobre o motivo da legislação brasileira sobre drogas ser proibitiva: “assumimos [a política proibitiva] por alinhamento do Estado brasileiro a interesses internacionais dos Estados Unidos. Existem no mundo outras políticas de drogas que não estão sendo apresentadas para a gente”, e citou uma frase de Eduardo Galeano para combater a moralidade frequentemente dominante no debate sobre a questão das drogas: “na luta do bem contra o mau, é o povo que entra com os cadáveres”.
Debate intenso
O debate que se seguiu demonstrou a variedade de posições presentes no conjunto da militância da UJS acerca desta controversa questão. Foram pautadas questões de violência relacionada ao uso das drogas, questões de saúde individual e coletiva, razões históricas para o uso e a proibição de determinadas substâncias e também a contextualização do uso de drogas no sistema capitalista, onde esta serve à alienação, segundo opiniões apresentadas. Apresentou-se também, durante as intervenções, um temor que a legalização se reduza, no final das contas, à liberação do uso e comercialização legal, mas que os efeitos do uso continuarão sendo sentidos, sobretudo nas periferias.
André Tokarski, presidente da UJS |
Diante do debate, o presidente da UJS, André Tokarski, defendeu que a resolução da entidade não deveria se reduzir só à questão de legalizar ou não, levando em conta que é um debate muito presente na realidade do país. Para ele, o central é que a UJS funciona com consenso progressivo, método que favorece o debate, que – ao menos acerca da questão das drogas – foi iniciado com bastante qualidade neste seminário: “é necessário coesionar a nossa organização e apontar um projeto de ruptura estrutural”, argumentou o presidente da UJS, que defendeu uma resolução focada em políticas de saúde pública, como políticas de redução de danos.
Resolução
A resolução da UJS sobre a questão das drogas foi aprovada no domingo (15), último dia da plenária nacional realizada pela organização com dirigentes de todo o país. Embora não chegue a uma conclusão sobre a defesa da legalização ou não, o texto demonstra a maturidade do debate conquistada a partir do seminário: “Somos, portanto, contra a apologia ao uso das drogas lícitas e ilícitas que trazem danos físicos e psíquicos aos seus usuários. Acreditamos no entanto, que a legislação proibitiva vigente não tem dado conta de resolver este problema de saúde pública”, diz um trecho da resolução, que também condena a criminalização da pobreza e pauta o tom classista do debate, do início ao fim.
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