Zumbi |
Neste dia 20 de novembro, o Blog do Mago destaca dois artigos publicados recentemente sobre a luta anti-racista no Brasil. O primeiro deles é do Jornalista Carlos Pompe que trata sobre a justificação bíblica do racismo, e o segundo é um texto de Alexandre Braga, da União dos Negros pela Igualdade (UNEGRO) fazendo uma abordagem sobre a luta do movimento negro na atualidade. Desejo a todos uma ótima leitura e um viva a resistência do povo brasileiro de matriz africana. Vamos continuar lutando!
A justificação bíblica do racismo
Por Carlos Pompe
O doutor em genética humana Sérgio Pena, no artigo Desinventando as raças, contido no livro Charles Darwin em um futuro não tão distante (Instituto Sangari) considera que a “cristalização do conceito de raças e a emergência do racismo coincidiram historicamente com dois fenômenos: o início do tráfico de escravos da África para a América e o abandono da então tradicional interpretação religiosa da natureza em favor de interpretações científicas”.
No caso do cristianismo, seita dominante nos países que traficavam escravos, foi mudada a ênfase na origem da humanidade a partir de Adão e Eva e enfatizada a descendência dos humanos a partir de três filhos de Noé: Cam, Sem e Jafé. Cam, que flagrou o pai bêbado e nu, foi condenado por Noé a ter toda a sua descendência tornada escrava – e os descendentes de Cam, a partir de Canaã, seriam os negros africanos.
Já os judeus se consideram descendentes de Sem e com esse pressuposto os sionistas justificam a matança de palestinos por Israel, como tristemente assistimos nestes dias. Mas voltemos ao “mundo cristão”. O que fazer com os africanos – e, depois, os nativos do Novo Continente – convertidos ao cristianismo? Pena prossegue: “Postulou-se que os escravos convertidos podiam ser mantidos em servidão porque, apesar de cristãos, eram descendentes de ateus”.
Os avanços da ciência a partir do XVIII acabaram reforçando o critério racial que evoluiu dos princípios bíblicos. Até hoje muitos argumentos e classificações adotados por cientistas do passado repetem classificações racistas entre os seres humanos, embora os avanços da genética molecular e o sequenciamento do genoma humano tenham desautorizado qualquer significado biológico para distinguir “raças” entre os Homo Sapiens Sapiens, como nos denominamos na atualidade.
Contudo as “raças” continuam a existir como construções sociais. Em Trabalho assalariado e capital, Marx escreveu: ““Um negro é um negro... Porém sob determinadas condições se converte em escravo. Uma máquina de fiar algodão é uma máquina de fiar algodão. Terão que ocorrer condições especiais para que se converta em capital”. As condições para um negro se converter em escravo mudaram mas, assim como a escravidão converteu-se em escravidão assalariada, no Brasil, o último país a abolir a escravidão, o negro foi convertido no assalariado pior remunerado...
Em São Paulo, a mulher negra chega a ganhar 47,8% do rendimento do homem não negro por hora. No Distrito Federal, a proporção é de 49,5%. Em Salvador, Recife, Porto Alegre, Fortaleza e Belo Horizonte, o homem não negro ganha quase 50% a mais do que as mulheres negras. Os dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre as regiões metropolitanas, com base na pesquisa de emprego e desemprego (PED) de 2011, reafirmam a frase da canção de John Lennon, que diz que a mulher é o negro do mundo, devidamente completada com a constatação de que, se além de mulher, for negra, a situação piora.
Há alguns anos, foi realizada a campanha “Onde você guarda o seu racismo?”, que incentivava a não guardá-lo, mas jogá-lo fora. A campanha passou, mas o racismo continua, como demonstram os fatos do dia-a-dia, incluindo a discriminação de gênero evidenciada nos salários de homens e mulheres, brancos e negros.
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A luta do Movimento Negro na atualidade
Por Alexandre Braga
Havia em Pernambuco, Minas Gerais, Bahia e outros estados cerca de 700 quilombos, 2600 comunidades remanescentes e milhares de insurreições que lutaram contra o jugo dos senhores de escravos, período que o sociólogo Clóvis Moura definiu como modo escravista colonial. Em 1971, ativistas do Grupo Palmares, do Rio Grande do Sul, chegaram à conclusão de que o dia 20 de novembro tinha sido a data da execução de Zumbi e estabeleceram - na como Dia da Consciência Negra. Em 2003, a lei 10.639, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estabeleceu a data como parte do calendário escolar. Mas, apesar dessa agenda de eventos para celebrar a negritude, a nossa consciência negra é fenômeno novo dentre as várias manias adotadas pelo povo. Hoje é “chique ser black”. É moderno cultivar os valores da “cultura black”, enquanto o fosso social entre brancos e negros ( os pretos e os pardos juntos ) mantém o apartheid brasileiro inalterado. O mito da democracia racial, por aqui, foi denunciado como mentira pela realidade socialmente perversa e pelos dramáticos indicadores sociais; que compravam que negro no Brasil está associado à miséria e exclusão social. Por exemplo, somente o IBGE calcula que precisaremos de pelo menos 20 anos de políticas voltadas para as ações afirmativas para colocar brancos e negros em níveis mínimos de igualdade.
Portanto, na atualidade, o Movimento Negro tem um viés político muito forte: a resistência venceu a escravidão. Por isso, suas atividades vêm carregadas de tempero emocional. Dessa forma, o Dia da Consciência Negra, a luta contra o racismo, a agenda da promoção da igualdade racial e a inclusão da população negra na sociedade, trazem consigo tantas e variadas atividades, como as marchas para aumentar a consciência do pertencimento étnico, os protestos mais raivosos e justos, e as homenagens aos homens e mulheres negros ( Zumbi e Dandara, líderes da República de Palmares; Osvaldão, líder da Guerrilha do Araguaia; Machado de Assis, escritor; André Rebouças, engenheiro especialista em engenharia hidráulica-ferroviária e de portos; Chiquinha Gonzaga, compositora, pianista e primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, João Cândido, líder da Revolta da Chibata, entre outros) que, de alguma forma, ajudaram na construção da riqueza da nação-continente mais negra fora do continente africano. E o maior significado desse dia é que longe do ranço contra quem quer que seja, hoje a população negra, ou os 49,9% do povo brasileiro, luta pelo cumprimento do plano de ação assumido na Conferência da ONU Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata em 2001 e pelas propostas das Conferências Nacionais de Promoção de Igualdade Racial, organizadas em 2005 e 2009 pelo governo brasileiro. Além disso, o Movimento Negro quer justiça social aos próprios negros, aos povos de tradição indígena e aos demais grupos que durante a construção dessa nação-continente tiveram seus direitos humanos violados. Ou seja, no século XXI o debate sobre as alternativas para o desenvolvimento sustentável, as soluções para superaçãodos conflitos étnicos e o combate ao preconceito e às desigualdades sócio-raciais se dão entrelaçadas pelo culto à capacidade de resistência dos povos e pelo clamor por eqüidade. É inegável a herança africana na culinária, na dança, no ethos do nosso povo, mas é inegável também o atraso com que o Estado brasileiro trata essas questões. Às vezes quando as assumem o faz lentamente e de forma mais para negro ver do que para negro ter justiça e respeito de fato.
Fontes: www.vermelho.org.br \ www.unegro.org.br
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