Por Renato Rabelo*
Na noite de quarta-feira, 5 de dezembro, como diria o escritor Guimarães Rosa, uma notícia de grande morte se espalhou pelo Brasil e pelo mundo. As mãos do arquiteto Oscar Niemeyer, sempre irrequietas, em estado de criação sobre a prancheta, quedaram e foram pousadas sobre seu coração que parou de bater aos 104 anos.
Niemeyer partiu, mas já em vida – num exemplo de rara convergência nacional – havia sido conduzido pelos seus compatriotas à galeria das personalidades mais destacadas da Nação. Chegou ao panteão pela grandeza e beleza de sua arquitetura, mundialmente avaliada como um dos ícones da modernidade, e pela coerência de vida inteira com ideais revolucionários do comunismo que o levaram a selar um compromisso inquebrantável com o Brasil e seu povo.
Sua longa vida de 104 anos se assemelhou a essas frondosas árvores frutíferas de seu país tropical que, mesmo com idade avançada, não param de florir, nem de produzir frutos. Foi um homem desapegado do dinheiro e apegado ao trabalho e de uma solidariedade sem limites a seus companheiros e a todos quantos cruzaram seu destino.
A arquitetura de Niemeyer ganhou espaço e reputação no mundo. Um acervo arquitetônico de formas livres e leves, adversárias do ângulo reto e amantes das curvas. Curvas que – como ele mesmo explicou – foram encontradas “nas montanhas de meu país, na mulher preferida, nas nuvens do céu e nas ondas do mar”. Com obras espalhadas em muitos países, por vários continentes, seu trabalho fez brotar belas criaturas em concreto armado. Vários projetos poderiam retratar essa admiração de diferentes nacionalidades por suas realizações, mas, para efeito simbólico, sua participação destacada no projeto da sede das Nações Unidas, em Nova York, nos EUA, marca o reconhecimento mundial pelo valor de Niemeyer.
O exílio durante a ditadura militar instaurada pelo golpe de 1964 o fez viajar pelo mundo e abrir um escritório em Paris. Declaradamente amou países, como França, Argélia, URSS, Itália, entre outros, mas sua grande paixão foi o Brasil e o povo brasileiro. Como disse o destacado historiador, Eric Hobsbawm: “É impossível imaginar o Brasil do século 20 sem Oscar Niemeyer. É impossível pensar na arquitetura do século 20 sem ele”.
Brasília é a prova maior desse seu amor pelo Brasil. Cidade de substantiva e imperativa beleza. As curvas e as colunas, os vãos, as cúpulas, forçando a engenharia a pospor seus limites e realizar cálculos, aparentemente impossíveis. Tudo para o concreto armado adquirir delicadeza. Certa feita, André Malraux, escritor que foi ministro da Cultura da França, de tanta admiração chegou a dizer: “O elemento arquitetural mais importante, desde as colunas gregas, são as colunas do Palácio Alvorada”.
Mas, esse grande brasileiro, além de ocupar sua longa existência embelezando o planeta com sua arquitetura, simultaneamente engajou-se com paixão e coerência à jornada para libertá-lo das injustiças, das guerras e da exploração capitalista. Desde cedo sua vida vinculou-se à causa do povo e aos ideais libertários do socialismo. Nas suas memórias, ele relata com orgulho seus vínculos com o comunismo e o Partido Comunista, conta, por exemplo, que, depois de conversar com Luiz Carlos Prestes, doou o local onde era seu escritório para ser a sede do Comitê Metropolitano do PCB no Rio de Janeiro: “Prestes, fica com a casa. Sua tarefa é mais importante do que a minha”.
Passaram os tempos e veio o fim da União Soviética que provocou no mundo inteiro descrença e até obscurantismo. Niemeyer, contudo, manteve-se firme em suas convicções. “Passei a considerar que a crise soviética constituía uma fase natural pela luta política, que o ser humano não atingira o nível que a sociedade comunista, solidária, exigia. (...) A Revolução de Outubro foi o início indispensável. O sinal de que o mundo vai mudar, de que o fracasso ocorrido é acidente de percurso, de que a ideia de Marx continua imutável e a luta mais consciente e determinada.”
O Memorial da América Latina, pujante conjunto arquitetônico construído na cidade de São Paulo, revela os laços do arquiteto e do cidadão com os povos latino-americanos. Nesse belo conjunto, há uma escultura, uma grande mão espalmada de concreto com o sangue a escorrer. O arquiteto grafou uma mensagem para explicá-la: “Suor, sangue e pobreza marcaram a história dessa América Latina tão desarticulada e oprimida. Agora, urge reajustá-la, uní-la e transformá-la num monobloco intocável, capaz de fazê-lo independente e feliz”.
Quando da comemoração de seu centenário, em 2007, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Cultura, Gilberto Gil, condecoraram-no com a Ordem do Mérito Cultural. E por iniciativa do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), o Congresso Nacional aprovou a lei que instituiu 2007 como o “Ano Oscar Niemeyer” e promoveu uma sessão especial no Senado em homenagem ao arquiteto.
No curso das comemorações do seu centenário, ele pôde constatar com alegria e esperança o despertar da América Latina e de seu país. Em entrevista à revista Princípios, deu este depoimento: “Neste momento, estamos bem. O Lula compreende os problemas brasileiros, é um operário, faz jus às suas origens e está ao lado do povo. A América Latina está se organizando e seus povos tomando um caminho mais popular. Tem Hugo Chávez e Fidel Castro que são figuras fantásticas”. E mais uma vez deixou clara a sua posição: “É uma utopia querer consertar o capitalismo, achar que ele pode ser melhorado. Está tudo errado, ele é uma doutrina de miséria, de egoísmo. Não queremos melhorar o capitalismo que representa tudo isso, essa diferença de classes, os pobres sem ter onde morar. Queremos acabar com o capitalismo”.
Seu compromisso e confiança com o ciclo político aberto pela vitória de Lula, em 2002, foram reafirmados na campanha da presidenta Dilma Rousseff, de 2010, quando, mesmo já numa cadeira de rodas, fez questão de participar de um ato de apoio à então candidata Dilma, realizado na cidade do Rio de Janeiro, promovido por intelectuais e artistas.
Oscar Niemeyer deu à sua pátria e a outros povos do mundo, o melhor de si como cidadão e arquiteto. A vastidão e a juventude do Brasil e o caráter criativo e laborioso do povo sempre alimentaram suas esperanças de um presente e futuro melhores.
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) – com que Oscar Niemeyer manteve uma relação de amizade e cooperação –, junta sua voz à voz do povo, da Nação, para homenagear sua vida de mais de um século e um tesouro de realizações. Sua obra continuará inspirando novas gerações de arquitetos, a se pautarem pela criatividade e pela ousadia, e suas convicções comunistas impulsionarão corações e mentes pela vitória do socialismo no Brasil e no mundo.
*Presidente do Partido Comunista do Brasil-PCdoB
Fonte: www.vermelho.org.br
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