Nos últimos anos, as grandes mobilizações do movimento estudantil universitário brasileiro se centraram de forma bastante acertada em bandeiras de luta relacionadas, em linhas gerais, a três desafios: financiamento da educação, democratização do acesso e permanência do estudante na universidade através das políticas de assistência estudantil. Todos estes temas são fundamentais para a transformação da instituição que temos hoje, mas, para além destes desafios, nós, estudantes, não nos esquivamos da luta pela superação de outros entraves políticos e acadêmicos que reproduzem na academia conteúdos de interesse prioritário de uma pequena elite.
O desafio maior é construir um novo modelo de universidade que contribua, em última instância, para a emancipação do homem. Não se trata de enxergá-la de forma idealizada ou como um instrumento de equalização social – transformar a universidade por si só não transforma a sociedade. Entretanto, superar o seu atual padrão de organização e conteúdo pode torná-la um dos elementos de avanço do país ao fazê-la prezar pela interdisciplinaridade e diversificação de conteúdos que combatam as opressões e desigualdades estabelecidas. Para isso, é preciso discutir em detalhe uma profunda reformulação de seus projetos políticos e pedagógicos.
A indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão ainda não foi devidamente assimilada pela universidade. Não se deve abordá-los de forma estanque ou departamentalizada: é preciso uma profunda reforma curricular que possibilite sua fusão partindo da compreensão de que não existe ensino sem pesquisa, nem pesquisa sem ensino ou extensão sem esses dois – todos fazem parte do processo de interação e aprendizagem. Entretanto, atualmente a grande maioria dos cursos superiores concentra a pesquisa exclusivamente no Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) e resume a extensão a palestras ou cursos complementares, quando tais elementos deveriam permear as atividades das disciplinas regulares ao longo de toda a graduação.
A pesquisa universitária é o ponto de partida para uma educação superior de qualidade. Hoje, infelizmente, é dominada pelos interesses das empresas que a financia com vistas aos seus objetivos particulares e os lucros que deles advém – e não aos assuntos estratégicos para o desenvolvimento e aos desafios tipicamente nacionais. Não se trata aqui de vetar o patrocínio privado da pesquisa universitária, mas direcioná-lo para os objetivos públicos da comunidade acadêmica e da sociedade para que, além de sentido prático, tenham também valor social. Se é fato que não existe ciência neutra, é preciso que o conteúdo do conhecimento produzido na universidade se volte para o fortalecimento de nossa autonomia científica, de nossa soberania e para diminuição das desigualdades do país.
No que se refere à extensão, é necessário primeiramente desnudá-la do caráter assistencialista ou tecnicista que normalmente lhe é atribuído. Ao contrário, a extensão é uma forma de conferir ao aprendizado o humanismo e o senso de realidade que possibilitem transformar a realidade que nos cerca. Em outras palavras, é através da extensão que o estudante conhece na prática um mundo muitas vezes distante dos livros e dos laboratórios imersos nos muros cansados da universidade, criando a oportunidade de questionar saberes já estabelecidos, gerar novos conhecimentos e adquirir a experiência necessária para enfrentar os desafios do mundo do trabalho. Por tudo isso, a extensão precisa estar inserida nos currículos acadêmicos com um número de horas mínimas necessárias para a integralização do currículo.
As atividades extensionistas devem entrelaçar-se com a pesquisa acadêmica – concepção esta que deve permear todo o caminho do estudante até o diploma, através de incentivos para a investigação científica e de pesquisas de campo simplificadas inseridas no cotidiano da atividade acadêmica a partir da análise de casos práticos ou da conferência da realidade em contraposição à teoria.
É preciso ousar na concepção de uma nova universidade. Nada deve parecer natural ou impassível de mudanças. Afinal, quem disse que o aprendizado tem de se resumir às exposições diárias proferidas pelos professores a uma platéia de estudantes receptores e inertes? Quem disse que um tem que sentar atrás do outro ou ter apenas duas oportunidades no semestre para expor o conteúdo assimilado por meio de métodos de avaliação anacrônicos e limitados? Essa lógica de educação serve apenas à reprodução do conhecimento já estabelecido, responsável por perpetuar injustiças e desigualdades.
Neste sentido, não menos importante é o papel do professor no cotidiano acadêmico. É preciso, antes de tudo, valorizar o exercício docente com salário justo, liberdade cátedra e condições adequadas de trabalho. Tomada ciência desta necessidade, observamos que em muitas instituições, sobretudo nas públicas, existe hoje certo abandono da graduação, pois é do trabalho na pós-graduação que o professor retira a necessária complementação da renda e se realiza profissionalmente ao ter mais condições de pesquisar os temas que lhe desafiam.
Por outro lado, apesar das adversidades, não se pode esquivar-se da avaliação permanente do trabalho do professor. A cobrança precisa ser contínua, sem corporativismos ou perseguições, pois a avaliação periódica de desempenho a que estão sujeitos hoje é ineficaz. São necessárias metas de rendimento para que o professor não se ausente da sala de aula e, caso venha a fazê-lo, haja reposição do conteúdo. É preciso também formação continuada com atualização e aprimoramento didático permanentes, especialmente nos cursos em que os docentes não possuem formação na área de licenciatura.
Passados 185 da fundação de nossos primeiros cursos superiores, este é um momento de auto-reflexão da universidade brasileira. Os temas levantados não visam, naturalmente, esgotar o debate da qualidade, nem tão pouco desmerecer outros aspectos tão ou mais importantes para a reformulação pedagógica.
Evidentemente nada disso será possível enquanto os patamares de investimento na educação persistirem tão defasados. Seguir na luta pela destinação de 10% dos PIB e dos royalties e Fundo Social do Pré-sal para educação é tarefa primeira dos estudantes comprometidos com as causas populares. Assim, através da luta generosa e abnegada da juventude, conquistaremos uma universidade humanizada e preocupada com a transformação da vida de brasileiros e brasileiras de cada canto deste país.
Por Virgínia Barros, diretora de comunicação da UNE
Fonte: www.ujs.org.br
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