Por Venício A. de Lima*, na revista Teoria e Debate:
Os recentes debates em torno de dois projetos de lei que tramitam no Congresso dos Estados Unidos sobre a regulação da internet têm tudo a ver com as esperanças democratizadoras centradas nas novas tecnologias de comunicação.
As siglas Pipa (Project IP Action, ou Preventing Real Online Threats to Economic Creativity and Theft of Intellectual Property Act) e Sopa (Stop Online Piracy Act) identificam iniciativas legislativas que, apesar de se apresentarem apenas como propostas contra “ciber-crimes” e contra a pirataria, na verdade têm implicações importantíssimas no controle de tudo o que possa circular no espaço virtual.
Já existem leis desse tipo na França (Lei Hadopi) e na Espanha (Lei Sinde), e no Brasil, na mesma linha, tramita no Congresso Nacional o chamado Projeto Azeredo (hoje Projeto de Lei nº 84/1999).
O que está em jogo?
Um exemplo simples: antes da internet, na cadeia produtiva de bens culturais como filmes, músicas (CDs), textos (livros), havia a necessidade de um intermediário entre o criador e o consumidor final: surgiram então a indústria do cinema, a indústria fonográfica, as editoras. E, além do processo de produção material, fabril, havia a distribuição física dos produtos. Com a internet, tudo isso se torna, potencialmente, desnecessário. O próprio autor do bem cultural, seja qual for – uma música, uma poesia, um filme, um livro –, pode agora disponibilizar diretamente sua criação para o consumidor final na rede. Em princípio, portanto, o autor passa a controlar, ele mesmo, sua criação, sem precisar de intermediários.
Em outras palavras, a internet acaba com a necessidade da valiosíssima indústria do copyright, isto é, dos direitos autorais. E a indústria, por óbvio, não está gostando do que vê.
Mais abrangente do que o Pipa e o Sopa é o Acta (Anti-Counterfeiting Trade Agreement – Acordo Comercial Anticontrafação), que vem sendo negociado entre os EUA, a União Europeia e outra dezena de países, entre eles Japão e Canadá. Trata-se de criar uma entidade independente das Nações Unidas, da Organização Mundial do Comércio e da Organização Mundial da Propriedade Intelectual para a proteção de marcas, patentes e copyrights.
Enquanto vivemos a transição do antes para o depois da internet, os problemas surgem, entre outras razões, porque criadores que têm contratos com os atuais “intermediários” buscam formas de se libertar do controle que até agora era exercido sobre suas obras e sua carreira. Aí o problema vira conflito de interesses.
Ademais, para manter o domínio sobre a circulação na internet de bens culturais ainda sob o controle dos intermediários, os projetos propostos e as leis já existentes – tanto lá como cá – afetam diretamente a regulação de direitos fundamentais, como o acesso à educação e à cultura e, em particular, a liberdade de expressão na web.
E o Brasil?
No Brasil, o Projeto de Lei nº 2.126/2011, conhecido como Marco Civil da Internet – e não penal –, tenta caminhar no sentido oposto. Resultado de um longo processo de consulta pública iniciado pelo Ministério da Justiça ainda ao tempo do ministro Tarso Genro no governo Lula, constitui uma tentativa de garantir a liberdade de circulação na rede, afirmar direitos, e não transformá-la em “caso de polícia”.
De qualquer maneira, o assunto é muito mais complexo do que a descrição resumida apresentada aqui e não é fácil saber a real natureza desses projetos apenas fazendo um corte vertical e identificando quem os apoia ou não. Tem de tudo.
O importante é que prevaleçam o interesse público e os direitos fundamentais. E isso não é simples nem fácil.
* Venício A. de Lima é jornalista, sociólogo, mestre, doutor e pós-doutor pela Universidade de Illinois; pós-doutor pela Universidade de Miami; professor-titular de Ciência Política e Comunicação aposentado da Universidade de Brasília; fundador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB. (fonte: http://www.fazendomedia.com)
Fonte: www.ujs.org.br
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