Teve início no sábado (17\09) a 8ª reunião do Comitê Central do PCdoB. Na pauta, a conjuntura nacional e internacional. O presidente do partido, Renato Rabelo, abriu o evento com uma apresentação ampla, que abordou todo o conjunto de temas em análise. Leia, a seguir, o pronunciamento de Rabelo na íntegra:
A grande crise do capitalismo iniciada em 2007-2008 continua regendo a dinâmica econômica, financeira, social e política do mundo. O PCdoB já vem indicando, em seus últimos Congressos, que o mundo vive uma transição econômica, que vai se refletindo também numa transição do sistema de poder mundial.
A crise que eclodiu em 2007-08 – a terceira grande crise do capitalismo – vem se desdobrando e atingiu sua segunda fase aguda em agosto deste ano. Não se trata, portanto, de uma nova crise, mas a terceira grande crise do capitalismo em um mundo em transição, acelerando este processo porque o centro do sistema atual é o mais profundamente atingido. Perde espaço relativo, assim, para as novas forças em ascensão, que por sua vez saem mais rápido dos abalos econômicos e financeiros de proporções globais. Estas têm sido as categorias com as quais o PCdoB trabalha e que compõem a lógica de nossa análise sobre as tendências do mundo atual.
Esta crise acelera o já constatado declínio progressivo e relativo da hegemonia do imperialismo estadunidense, enquanto cresce o papel da República Popular da China – país socialista – pela pujança da sua economia (o 2º. maior PIB do mundo: 5 trilhões e 700 bilhões de dólares, acima do Japão) e sua ascendente influência geopolítica.
Embora também sofra os efeitos danosos da crise, a chamada periferia do sistema capitalista – notadamente, Índia, Rússia, Brasil, África do Sul e a já citada China – a enfrenta com resultados favoráveis ao crescimento econômico. Destaca-se que na América Latina se mantém e até se amplia o leque de países governados por lideranças e blocos de forças que lutam pelo desenvolvimento soberano e democrático.
Apesar do declínio da supremacia unipolar dos EUA, acelerado pela crise, e de se vislumbrar um mundo mais equilibrado, multipolar, a tendência deste curso econômico atual tem que ser visto numa dimensão histórica e na justa compreensão da natureza do imperialismo.
Ou seja, o declínio de uma supremacia imperialista hegemônica mundial não transcorre de modo pacifico e poderá se estender por longo período histórico, devido ao fato de os Estados Unidos ainda serem uma potência econômica e tecnológica, detém a moeda internacional de reserva de valor, além da influência ideológica e política que exerce no planeta por inteiro.
Segundo o historiador marxista Eric Hobsbawn, estaríamos vivendo a era de declínio da hegemonia dos Estados Unidos. E a partir da compreensão da natureza do imperialismo, vivemos um cenário internacional contaminado pela instabilidade, ameaças e pelo risco de grandes perigos. As guerras de ocupação do Afeganistão, do Iraque e, agora, a intervenção ostensiva da OTAN na Líbia e as ameaças de intervenção contra a Síria -- sob a falsa defesa da democracia e dos direitos humanos -- demonstram que os EUA poderão recorrer cada vez mais às armas, visto que, ostenta de longe, a condição de maior potência bélica. Ainda é sua condição absoluta.
Os ultraliberais responsáveis pela crise continuam no comando
O que caracteriza essa segunda fase aguda da crise é a elevada dívida pública dos Estados Unidos e dos países da União Européia que -- para salvar grandes bancos e grandes monopólios -- despejaram trilhões de dólares nessa operação salvamento. A volumosa dívida privada foi estatizada, “socializada”. Esses imensos recursos não produziram nenhum efeito na retomada do desenvolvimento econômico e do crescimento do emprego. Prevalece a desaceleração da economia do centro capitalista, com estagnação e risco de recessão global; onda sucessiva de inadimplências; instabilidade e enfraquecimento do dólar; guerra cambial e protecionismo econômico; desemprego crescente e aumento desenfreado da exploração sobre os trabalhadores.
A margem de manobra deste conturbado centro capitalista restringiu-se. Na esfera dos juros, suas taxas já beiram a marca do zero; no plano dos investimentos, eles também têm dificuldades, pois os Estados se endividaram para socorrer a quebradeira do setor privado. A Europa, em particular, é duramente atingida. Inicialmente foram afetados os países da periferia da Zona do Euro, agora, foram golpeadas a Itália e a Espanha. “A situação na Europa é imprevisível, grandes bancos franceses caminham para a falência”, na opinião de Luiz Inácio Lula da Silva.
Para compreender o essencial desta grande crise lançamos mão também de outras categorias: a luta de classes na fase atual da vida do capitalismo, e do conceito de que a economia é, em verdade, Economia Política. Os ultraliberais responsáveis pela crise continuam à frente do comando político de grandes potências. O neoliberalismo, embora desmoralizado pelo fracasso, recrudesceu no centro capitalista.
Nos EUA, Barack Obama se curvou à onda neoconservadora, e os setores mais reacionários do país – como o Tea Party – ganham força. Exigem mais absolutismo do mercado. Na Europa, a direita domina o cenário político, inclusive com o aparecimento de bolsões de extrema direita. “As cabras continuam tomando conta da couve”, como diz o povo.
Essa hegemonia dos ultraliberais é que condiciona fortemente as tendências, os desdobramentos e possíveis cenários decorrentes do atual quadro. “É uma situação de ‘trevas’, diferente de 1929-30, com o New Deal de Franklin Roosevelt, que teve saída progressista e trabalhista”, disse recentemente a economista Maria da Conceição Tavares.
Embora na Europa e no Oriente Médio haja descontentamento e revoltas sociais, o que prevalece até o momento é um hiato político de representação protagonista do campo patriótico, democrático e progressista. Só forças políticas novas, orientadas por concepções e projetos alternativos aos paradigmas neoliberais, podem enfrentar, romper e superar a lógica liberal reinante.
Situação exige mais audácia das forças de esquerda
Por conseguinte, se insere aqui na concepção marxista acerca das crises do capitalismo, para nossa compreensão da situação atual, que as crises fazem parte dos ciclos do capital e, independentemente de suas intensidades, o capitalismo não se destrói por si mesmo. Se não for confrontado por alternativas distintas -- que inaugurem um novo ciclo político e econômico, que levem a rupturas do sistema -- ele encontra sempre saídas, embora provocando maiores desastres econômicos, sociais e políticos, para prosseguir com seu processo de expansão. A profundidade da crise é o fator objetivo, imprescindível à mudança radical, revolucionária. Mas se o fator subjetivo mudancista ou revolucionário, que é decisivo, não atua no sentido de nova condução, de novo ciclo, não haverá mudança nem revolução.
Neste contexto do aprofundamento da grande crise estamos em face de embates de grande envergadura. Em síntese, as grandes potências tentam lançar o ônus da crise sobre os ombros dos trabalhadores e buscam aumentar o saque sobre os demais países. Situação que exige mais audácia política das forças de esquerda para impulsionar o governo no rumo de maior independência, em conjunto com as nações da chamada periferia do sistema, como é caso do Brasil. Os exemplos históricos são muitos e significativos.
O novo governo: a presidenta vai conquistando a sua autoridade política e seu governo procura defender o país da recidiva da crise em 2011, num mundo em transição, e abre-se a possibilidade de se avançar nos objetivos maiores para concretização de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, com o respaldo da mobilização e protagonismo popular.
A presidente firma sua autoridade e liderança
O governo Dilma Rousseff entrou em seu 9º. mês de existência com amplo apoio na população, segundo pesquisas de opinião, e vai firmando sua autoridade e liderança perante a nação. É um governo genuinamente de continuidade, tendo como desafio avançar no rumo do desenvolvimento nacional, soberano, democrático, de progresso social e de integração solidária da região.
Diante da extensa e diversificada base partidária de apoio, a presidente procurou pessoalmente fortalecer os seus vínculos, através de reuniões conjuntas do Conselho Político, reuniões por grupos partidários e bilaterais. Dilma tem obtido vitórias na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, apesar da condução desordenada no episódio da reforma do Código Florestal. Também na sensível área econômica cresce a percepção de que a primeira e última palavra é sua e de quem manda mesmo no Ministério da Fazenda e no Banco Central é a presidenta. Além disso, Dilma interage com o movimento social, estabelecendo um dialogo permanente com as centrais sindicais e os estudantes, recebendo os lideres de todas as grandes manifestações em Brasília.
A oposição representada pelos partidos conservadores, que se encontra hoje sem alternativa, sem programa, sem liderança maior, é exercida de forma protagonista pela mídia hegemônica, pois domina os mais poderosos meios de comunicação. Essa oposição institucional-midiática trabalhou desde o primeiro momento para incompatibilizar o governo Dilma com o de Luis Inácio Lula da Silva, tentando meter uma clivagem entre os dois. A oposição, sem alternativa, encontrou no mote da “faxina” contra a corrupção o meio de pautar o governo, tentando impor uma agenda política ao país, explorando um sentimento popular de desconfiança nas instituições políticas e na prática política. Estes setores buscam, desse modo, incompatibilizar a presidente com sua base parlamentar, imputando a origem da “sujeira” ao governo anterior de Lula, que supostamente agia com leniência nesses casos.
A presidente procurou responder a essa investida, não se deixando envolver, tornando nítido que no centro da agenda do governo está o desenvolvimento com distribuição de renda. A sua faxina, como ela mesma anunciou, se destinava a sacudir e eliminar a extrema pobreza do país. A ética pública, o respeito aos recursos públicos, não era sua bandeira, mas uma obrigação baseada em princípios fundamentais da moral e da eficiência do serviço público. Procurou evidenciar assim na realidade, como reflexo da luta política em curso, duas pautas prioritárias opostas: uma prioridade a do governo e outra, a pregação oposicionista propagandeada pela mídia conservadora.
Importante vitória política da presidente e das forças progressistas
Na atualidade torna-se antes de tudo uma questão política nodal, a resposta do governo diante do impacto da recidiva da crise econômica mundial visando a defesa da economia nacional. Neste sentido, os êxitos da orientação do governo elevarão o prestigio da presidente. O governo vem definindo e aplicando medidas de enfrentamento da crise e de defesa do país. Procurou restringir o fluxo do capital especulativo elevando as taxas de IOF e freando de certo modo a livre movimentação de derivativos. Atua diferentemente do passado, em conjunção com o Banco Central, ampliando o período de atingir o centro da meta de inflação (4,5%), para não provocar uma queda abrupta do desenvolvimento econômico. Deu destaque e prioridade ao Programa Brasil Sem Miséria e, mais recentemente, ao Plano Brasil Maior, visando a defender e impulsionar a indústria nacional, cujo objetivo requer orientação de maior profundidade. E se movimenta, também, no sentido de elevar os recursos para a saúde pública, o SUS, e a ampliação de uma educação pública de qualidade.
Mas o fato mais significativo e promissor -- porque começa a subverter a base de compromissos com os círculos financeiros mais poderosos -- é a decisão recente do BC de reduzir em 0,5% a taxa de juros Selic. O mercado financeiro foi surpreendido e perplexo apelou agressivamente, demonstrando ser uma perda fundamental para o sistema vigente. Reagiu proclamando ser uma quebra de “protocolo” e subversão aos “princípios mais valiosos” do sistema de metas de inflação. Veio à tona de forma nítida o que é a tão proclamada “independência” do BC. O protocolo de dependência do BC ao mercado financeiro foi quebrado.
Por isso, para eles, o BC assinou a sentença de morte da sua independência. O economista Yoshiaki Nakano, concluiu: “A rigor, o BC finalmente tornou-se independente do mercado”. Na visão e interesse do mercado financeiro, o BC tem que considerar exclusivamente a taxa de inflação, não cabe a ele se importar com o crescimento da economia. Evidente, este é o interesse essencial de quem ganha com a elevação das taxas de juros.
Essa “particularidade” da economia nacional tem raízes políticas, econômicas e sociais. As exorbitantes taxas de juros transferem grande volume de recursos do governo e da sociedade para o sistema financeiro. Até agora não se enfrentou o diktat dos poderosos círculos financeiros. O governo diante da desaceleração da economia, demonstrado no último trimestre, em conjunto com um cenário internacional mais desfavorável, toma uma decisão acertada, que já deveria ter sido praticada. Integra as decisões macroeconômicas mirando não apenas a inflação, mas também o câmbio e o crescimento econômico. O governo retira o ensinamento de 2008, quando, após três meses do momento agudo da crise, o Banco Central (BC) ainda aumentava os juros, levando o país à recessão em 2009.
A presidente Dilma vem reafirmando que, até 2014, o Brasil estará trabalhando com taxa real de juros no patamar dos índices internacionais. Ela promove uma ação sincronizada entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central, entrelaça a política fiscal com a política monetária com o objetivo de promover uma queda sequenciada dos juros e manter sob controle a inflação, e tenta conter a onda corrosiva que vem de fora, lutando por metas de crescimento e de geração de empregos. Simultaneamente, o governo busca livrar o Brasil de outra engrenagem do sistema, que premia os rentistas com ganhos sem risco: atua para desatrelar a dívida pública da taxa Selic, sendo que atualmente 30% das Letras Financeiras do Tesouro (LFT) são corrigidas por ela.
Tais iniciativas do governo Dilma indicam uma importante vitória política nesta fase decisiva de seu mandato. Podemos até discordar do nível do aperto fiscal – um corte de 36 bilhões de reais do orçamento e aumento de 10 bilhões de reais no superávit primário. Não é só isso. Porque ainda temos que pesar o impacto fiscal da política cambial, pelo carregamento das reservas internacionais. O governo aplica em títulos do Tesouro americano (que rendem 2%) e paga ao mercado juros 12%. E o impacto fiscal da politica monetária, se dá pelas despesas com juros. Nos últimos 16 anos chegou a uma média de 7,38% do PIB, comparado à média internacional de 1,8% do PIB.
É claro que na senda da queda progressiva da taxa real de juros esses dois impactos fiscais se reduzirão. O processo de importante mudança ainda está sujeito ao quadro de forças vigente. Por isso, sendo um caminho gradativo, mas não cedendo enfim na luta por uma mudança real da política macroeconômica. Durante a realização do Congresso Extraordinário do PT, na semana passada, parabenizei a Presidente pelos últimos feitos. Ela respondeu: “devagar e sempre para mudar de fato”. Em suma, segundo nossa concepção, a taxa de juros caindo é o que permite maior crescimento e, por conseguinte, mais rápido desempenho fiscal, e não o contrário. É falsa a prédica de que agora o “crescimento vai depender, como nunca, do aperto fiscal” (como defendeu em artigo recente o economista Marcio Garcia, no jornal Valor Econômico – PUC/RJ).
Mas, para orientação da luta do Partido não podemos perder de vista o que está em jogo, nas lutas políticas fundamentais e decisivas: a luta de classes, a verdadeira luta pela hegemonia do poder político.
A reação agressiva dos círculos dominantes financeiros e de seus agentes deriva dessas últimas medidas abrirem caminho para uma mudança da atual política macroeconômica. O acontecimento da redução dos juros e pela desindexação da dívida pública acirrou uma batalha política e de ideias, uma luta mais de fundo. Temos afirmado que a concretização do Plano Real, em 1994, condicionou um custo alto para o Estado e o povo. As altas taxas inflacionárias rendiam grandes ganhos para banqueiros, e camadas ricas, através do chamado overnight. A mudança em prol da estabilidade monetária tinha que continuar garantido alto ganho a estes investidores. Quem vivia de baixos salários (a maioria) perdia renda a cada dia. Então essa estabilidade só foi possível com uma garantia para os ganhos dos credores, banqueiros e especuladores: as estratosféricas taxas de juros. Na prática isso se consumou por um acordo tácito entre aqueles que dirigiam o Estado brasileiro e os círculos financeiros mais poderosos.
Portanto, qual o centro do embate político para melhor definir nossa condução? Substituir o arranjo conservador entre o Estado e os círculos financeiros dominantes por um pacto político novo, estando no centro o governo, os trabalhadores e o setor produtivo empresarial nacional. A atual crise, por sua dimensão e profundidade, coloca em xeque os paradigmas neoliberais e cria a oportunidade para esse novo acordo político.
Este pacto pode ser a alavanca para a realização de um conjunto de objetivos mais ousados e presentes no compromisso da presidenta Dilma de conduzir o Brasil para um estágio mais avançado de seu desenvolvimento. É preciso enfatizar que este novo pacto político se forjará na luta por grandes bandeiras unificadoras de maiorias políticas e sociais. O protagonismo do povo e dos trabalhadores, de seus movimentos e jornadas, com a autonomia de suas entidades, é indispensável para estimular e instigar o governo a realizar as reformas democráticas estruturais, e sustentá-lo nessa direção.
Nesse sentido é preciso dar prosseguimento ao empenho que têm produzido, nos últimos meses, importantes mobilizações dos trabalhadores e da juventude, entre as quais se destacam a manifestação dos 80 mil trabalhadores na cidade de São Paulo, organizada pela quase totalidade das centrais sindicais; a Marcha das Margaridas com cerca de 70 mil camponesas; e a passeata dos estudantes, por mais recursos para a educação, liderada pela UNE e pelas UBES, ambas realizadas em Brasília.
Por conseguinte, na visão do PCdoB, na atualidade, esta é a tarefa principal das forças progressistas e populares, em especial da esquerda: impulsionar o governo a liderar a conformação desse novo pacto político capaz de empreender avanços estruturais no país e municiá-lo das medidas apropriadas para o enfrentamento da crise econômica e financeira, como a queda progressiva dos juros, a desindexação da dívida pública da taxa Selic, a adoção de métodos e expedientes que garantam um câmbio competitivo, aumento contínuo dos investimentos, da geração de empregos e da distribuição da renda.
Decorrência deste contexto apresentamos, na proposta de Resolução da reunião do Comitê Central, as 5 tarefas a serem seguidas a partir do curso político atual. (ver o texto da Resolução Política aprovada nesta reunião)
Por Renato Rabelo, presidente do PCdoB
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