quarta-feira, 25 de abril de 2012

É tua a hora, Argentina!

A nacionalização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales é uma excelente notícia para a América Latina. Recoloca o Estado argentino no controle do instrumento básico de sua soberania no setor petrolífero, sua grande empresa da área.

Por Haroldo Lima*


Na história da indústria do petróleo, não há o precedente de algum país, outrora subdesenvolvido, hoje emergente, ter conseguido desenvolver seus recursos petrolíferos em função dos interesses nacionais, senão quando este país tinha pelo menos uma grande petroleira. E país pobre só tinha uma forma de ter uma grande petroleira, criando-a como estatal.

A história da Yacimientos Petrolíferos Fiscales está relacionada à luta que se desenvolveu no século 20 pela soberania dos países no setor do petróleo. Até meados desse século, o mundo do petróleo era sobrepujado por um grupo de grandes empresas que passou à história como “as sete irmãs”, que eram a Standard Oil of New Jersey, a Exxon; a Standard Oil of Califórnia, a Chevron; a Gulf Oil; a Mobil; a Texaco; a British Petroleum; e a Shell, cinco norte-americanas, uma inglesa e uma anglo-holandesa.

Foi na luta contra a hegemonia desse cartel que, em 1960, um grupo de países, grandes produtores e exportadores de petróleo, resolveu criar a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a Opep. Esses países foram a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Catar, Kuwait, Iraque, Líbia, Indonésia, Nigéria, Venezuela e Argélia, a maioria árabe.

Mas, alguns países que não eram grandes produtores nem grandes exportadores já vinham procurando ganhar autonomia no terreno petrolífero. Todos concluíram que não tinham qualquer chance de desenvolver autonomamente seu setor petrolífero, se não tivessem uma grande petrolífera – uma estatal do petróleo – que gozasse de privilégios exploratórios em seu próprio território.

Assim pensando, quem criou em primeiro lugar no mundo uma estatal do petróleo foi a Argentina, em 1922, a sua Yacimientos Petrolíferos Fiscales. Na continuidade o México fundou a Pemex, em 1938, quando estava começando a 2ª Guerra Mundial, e um pouco mais à frente foi a vez do Brasil com a Petrobras. Estatais de petróleo foram criadas posteriormente na Inglaterra, Itália, França, Canadá, Japão, Noruega etc. A PDVSA, da Venezuela, vem bem depois, em 1976.

Pois essas estatais, especialmente a YPF, a Petrobras e a PDVSA, estavam indo muito bem, até que a maré montante da privatização neoliberal aparece e coloca, especialmente a YPF e a Petrobras, na alça de mira.

Com relação à Petrobras, começaram por lhe tirar o exercício do monopólio, mas a expectativa era bem outra: perdido o monopólio, a empresa seria privatizada. Em 1995 as batalhas políticas sobre a questão se desenvolveram, e terminaram se decidindo no Congresso Nacional, onde fui ativista e testemunha. A liderança do governo FHC dizia que não queria privatizar a Petrobras, mas apenas acabar com o monopólio.

O monopólio já tinha sido derrubado na Câmara. Eis que o senador Ronaldo Cunha Lima apresenta uma Emenda salvadora: todos concordariam em votar o fim do monopólio, desde que se acertasse votar também que a Petrobras não seria privatizada. E o líder do governo senador Élcio Álvares prontamente recusou a Emenda. Ficava claro que a ideia era a privatização da empresa.

Foi quando o então presidente do Senado José Sarney, em permanente articulação com o setor nacionalista, toma uma iniciativa de grande repercussão: comunica ao presidente da República que só poria o fim do monopólio em votação se o presidente assinasse um documento público comprometendo-se a não privatizar a Petrobras. E tal aconteceu. Penso que Petrobras foi salva aí.

Na Argentina o neoliberalismo cresceu mais que no Brasil. Privatizaram diversas empresas e foram para cima da YPF. Contando com um neoliberal atrevido na sua sabujice entreguista e na corrupção depois revelada, Carlos Menem, venderam a YPF.

Sem sua grande empresa do petróleo, a Argentina perdeu o passo no setor. A produção foi caindo e a nação, no estratégico setor petrolífero, passou a ser desimportante.

Agora Cristina Kirchner toma uma iniciativa histórica, talvez a mais importante de seus dois governos. Não foi nada contra a Espanha, que fazendo lembrar sua história colonial faz extravagantes ameaças. Não. Não foi nada contra ninguém. Foi a favor da Argentina. Saludos.


* Haroldo Lima é ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e membro do Comitê Central do PCdoB.

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